QUEM É O DONO DA
LITERATURA?
Estes dias, diante dos acontecimentos políticos e culturais de minha cidade,
numa discussão sobre a criação do Conselho Municipal de Cultura de Taubaté, deixei
de lado algumas atribuições culturais para me perguntar: quem é o dono (ou os
donos) da Literatura? Fiquei e pensar por longo tempo... seria Homero, figura
na qual alguns teóricos determinam o nascimento da literatura ocidental? Mas
Homero não teria deixado nada escrito, apenas narrava suas histórias, que foram
escritas séculos após sua morte, sendo que muitos acreditam que ele nem mesmo
existiu, e sim, vários poetas teriam participado da construção da “Ilíada”, e
da “Odisséia”... e mesmo que tivesse existido, ele teria morrido há milênios e,
portanto, não poderia ser dono daquilo que deixou.
Então o dono seria Hesíodo? Ele deixou obra escrita... foi o grande autor
da “Teogonia” e trouxe o “subjetivo” para a literatura. Mas, novamente a ideia
foi anulada pela mesma questão... ele viveu no século VIII a.c., e nos deixou
há quase três mil anos...
Seria Gilgamesh, com sua Epopéia, ou Assurbanípal, que provavelmente teria
reunido os poemas épicos? Seria o autor ou autores do Livro dos Mortos do
Antigo Egito? Seria Moisés com seu inspiradíssimo Pentateuco, que daria origem,
primeiro a religião judaica, e depois se desdobraria até nossos dias no
cristianismo e islamismo? Provavelmente não... assim como Homero e Hesíodo,
eles se foram, embora suas obras tenham ficado...
Fui passeando pela literatura: Alexandre Dumas, Aristófanes, Balzac, Blake,
Baudelaire, Camilo Castelo Branco, Carlos Drummond de Andrade, Cervantes, Charles
Dickens, Cícero, Conan Doyle, Dante, Dostoievski, Eça de Queiroz, Ésquilo, Fernando
Pessoa, Florbela Espanca, Goethe, Guimarães Rosa, Herman Hesse, Horácio, José
Saramago, Júlio Verne, Luiz Vaz de Camões, Machado de Assis, Maiacovski, Marcel
Proust, Olavo Bilac, Ovídio, Shakespeare, Sófocles, Tolstoi, Victor Hugo, Virgílio...
e outros... muitos outros!... mas todos já se foram!
Continuei pensando... e os grandes autores da atualidade?! Por acaso também
não haverão de morrer um dia? Certamente... então este fenômeno maravilhoso que
denominamos LITERATURA não poderia ter um dono, pois os pioneiros se foram, os
grandes também, e os que ainda estão entre nós, possuem existências efêmeras,
muito diferentes das suas obras imortais!
Então, se uma pessoa não poderia ser a dona da Literatura, poderia ser uma
instituição?! As Academias de Letras!? Bem... o termo academia historicamente surgiu
em 387 a.c., com uma escola fundada pelo filósofo grego Platão, nas
proximidades de Atenas, junto a um jardim que teria pertencido ao herói
ateniense da guerra de Tróia, Academus. Daí a origem do termo academia. Platão pretendia contribuir com os variados
campos do conhecimento humano, congregando pessoas com a mesma intenção sublime
de elevarem a cada dia, suas capacidades intelectivas e culturais! Na Academia de Platão estudaram, dentre
outros, Xenócrates e Aristóteles e ela serviria de inspiração para várias
outras que surgiriam pelo mundo grego, e também para as futuras universidades
que se espalhariam, séculos depois, pelo ocidente.
Nos séculos XIII e
XIV, surgiram algumas academias pela Europa. Por volta de 1440, nasceu em Florença, na Itália,
a Accademia Platônica, sendo um grande marco da renascença italiana, espalhando
pelo mundo a luz das obras de Platão, bem como aprofundando o estudo da língua
italiana e do grandioso poeta de Florença, Dante Alighieri.
Em 1635 foi fundada a
famosa Academia Francesa que serviria de modelo à Academia Brasileira de
Letras! A Academia buscaria tornar a
língua francesa “pura,
eloqüente, e capaz de tratar das artes e ciências”. Estabeleceu-se que a
Academia apresentaria quarenta cadeiras, com um patrono e um ocupante cada. O
patrono seria uma personalidade de destaque nas letras e na cultura, porém, já
falecido. Cada ocupante obteria tal condição ao ser eleito, após ter sido
candidato à vaga, momento no qual apresentaria seu currículo e obras. Ao ser eleito, o acadêmico tomaria posse de
sua cadeira, em sessão solene, realizando discurso em memória de seu antecessor
naquela cadeira.
No Brasil, a primeira
academia fundada foi a Academia Cearense de Letras, em 1894 e em 1897, após
algumas décadas de demasiado aumento da efervescência cultural na cidade do Rio
de Janeiro, onde se realizavam inúmeras reuniões e surgiam muitas publicações e
periódicos literários, foi fundada à Academia Brasileira de Letras, tendo sido
seu primeiro presidente o genial escritor Machado de Assis. Em 1909, surge na
cidade de São Paulo a Academia Paulista de Letras, seguindo os moldes da
Academia Brasileira. Aos 28 de maio de 1999, é fundada a Academia Taubateana de
Letras, e em 2001, a atual Academia Valeparaibana de Letras e Artes.
Mas fazendo uma
pequenina reflexão, podemos chegar a certas conclusões. Primeiro, pode, num
país com quase duzentos milhões de habitantes, a Academia Brasileira de letras ser
considerada a dona da Literatura? Existirem apenas 40 pessoas dignas de representar
a literatura pátria? Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato, Mário Quintana,
dentre outros, não poderiam representá-la por não terem pertencido à ABL?
Voltando o foco ao
nosso município, as duas Academias, aqui instaladas poderiam ser consideradas
as proprietárias da Literatura Taubateana? Taubaté, que possui quase trezentos
mil habitantes, teria como representantes de sua literatura, unicamente os
membros das Academias fundadas respectivamente em 1999 e 2001? E a Seção de
Taubaté da UBT - União Brasileira de Trovadores, fundada no fim da década de
1960 pelo memorável Prof. Cesídio Ambrogi? E o Clube dos 21 Irmãos-Amigos de
Taubaté, fundado em 1965, pelo notável Dr. José Ortiz Monteiro Pato? E o
Movimento Poetas do Vale, fundado em 2004 e a Confraria do Coreto, fundada em
2009, que já realizaram quase 150 eventos juntos? E os poetas, romancistas,
cronistas, jornalistas, contistas, professores e outros literatos que não
participam das Academias? Não poderiam representar a literatura taubateana por
não terem uma cadeira numa das duas Academias ora existentes?
E a União Brasileira
de Escritores – UBE, tradicional instituição literária do país, que conta com
mais de quatro mil membros, fundada em São Paulo, em 1958, que tem seu Núcleo regional,
recém fundado e instalado em Taubaté? E o Movimento União Cultural, fundado em
Taubaté em 2010?
Como simpatizante da
democracia, do direito do povo de escolher seus destinos, penso que a Literatura
tem sim um dono autêntico, e este é o povo. Ela é fruto do povo e feita para o
povo. Ela nasceu da necessidade do povo de registrar, de criar, de inspirar...
a literatura, sendo do povo a para o povo, não pode ser, no futuro Conselho
Municipal de Cultura de nossa urbe, cercada pelos muros invisíveis das
Academias. Temos tantos escritores e vários grupos literários, e, portanto, os
próprios escritores devem escolher seus representantes, e não deixar que sejam
indicados como eram nomeados os políticos para os postos importantes nos
governos ditatoriais.
Nada contra as
Academias, até por que pertenço a uma delas e tenho especial contato com vários
membros da outra, mas que a justiça e a democracia seja respeitada e que este
Conselho nasça para representar realmente uma classe, e não parte dela,
indicando-se instituições e olvidando-se outras, tão importantes, e até, posso
asseverar, mais ativas.
Que, como Platão,
possamos enxergar além da Caverna da ignorância, dos muros das vaidades, e que
vejamos que, embora as Academias tenham suas funções dignas, são partes de um
processo, e não o processo todo!
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